segunda-feira, 22 de março de 2010

Carta sobre a oração

AUTOR: Bruno Forte
(arcebispo de “Chieti-Vasto”)

TRADUZIDO POR:
Nilton Francisco
(seminarista da Arquidiocese de Olinda e Recife)

          Perguntas, porque rezar? Respondo-te, para viver. Porque, com efeito, para viver de verdade tens que rezar. Por quê? Porque para viver tens que amar. Uma vida sem amor não é vida. É solidão vazia, é cárcere e é tristeza. Só quem ama vive de verdade. E somente ama quem se sente amado, alcançado e transformado pelo amor. Assim, como a planta não pode florescer e dar seus frutos, se não recebe os raios do sol, também o coração humano não pode abrir-se à vida verdadeira e plena se não é alcançado pelo amor. Agora sim, o amor nasce e vive do encontro com o amor de Deus, o maior e mais verdadeiro de todos os amores possíveis; mais ainda: o amor que está mais além de qualquer definição que possamos dar e de todas nossas possibilidades. Ao rezar nos deixamos amar por Deus e nascemos ao amor. Portanto, quem ama vive no tempo e para a eternidade.
         E quem não reza? Quem não reza corre o risco de morrer interiormente, porque cedo ou tarde lhe faltará o ar para respirar, o calor para viver, a luz para ver, o alimento para crescer e a alegria que dá sentido à existência. Me dizes: mas, eu não sei rezar? Me perguntas: como se reza? Te respondo: começa a dar um pouco do teu tempo a Deus. No começo não importará que esse tempo seja muito, mas que seja dado com fidelidade, cotidianamente, quando o sintas e quando não. Busca um lugar tranquilo, se possível tenha algum sinal que remeta à presença de Deus. Medita em silêncio, invoca ao Espírito Santo para que seja ele quem diga em ti: “Abbá, Pai”. Eleva a Deus teu coração, ainda que esteja confuso. Não tenhas medo de dizer-lhe tudo: tuas dificuldades e tua dor, teu pecado e tua incredulidade, e também tua rebelião e tua oposição, se assim te sentes.
           Abandonando-se todo nas mãos de Deus, recorde que Ele é Pai-Mãe no amor, que todo te recebe, toda tua pessoa, todo te ilumina, todo te salva. Escuta seu silêncio. Não queira receber respostas rápidas. Persevera. Como o profeta Elias, caminha no deserto para o monte de Deus. E quando te aproximares dele, não o busque no vento, no trovão ou no fogo, em sinais de força ou de grandeza, mas na voz sutil do silêncio. Não pretendas possuí-lo, deixa, ao contrário, que passe por tua vida e por teu coração, que toque tua alma e se deixe contemplar por ti, embora sejas passivo desta ação.
           Escuta a voz do seu silêncio. Escuta sua palavra de vida. Abre a Bíblia e medita com amor. Deixa que a palavra de Jesus fale ao coração de teu coração. Leia os salmos, onde encontrará expressado tudo o que querias dizer-lhe. Escuta os apóstolos e os profetas. Apaixone-se com a história dos patriarcas, do povo escolhido e da igreja nascente. Quando escutares a palavra de Deus, siga caminhando pelos atalhos do silêncio, desejando que o Espírito te una a Cristo, palavra eterna do Pai. No começo, poderá te parecer que o tempo é exagerado. Persevera com humildade, dando a Deus o tempo que puderes dar, mas, nunca menos do que estabeleceste poder dar-lhe cada dia. Verás que, pouco a pouco, tua fidelidade se verá premiada. E perceberás que, pouco a pouco, crescerá em ti o gosto pela oração: o que no início te parecia inalcançável, se tornará cada vez mais fácil e belo, perfeito. Compreenderás que o que conta não é obter respostas, mas, se por à disposição de Deus. E verás que tudo o que pressentes na oração pouco a pouco se irá transfigurando.
             Quando fores rezar com o coração agitado, se perseverares, perceberás que mesmo rezando longamente não obterás respostas as tuas interrogações, mas elas vão derretendo-se como a neve ante o sol. E em teu coração irromperá uma grande paz: a paz de estar nas mãos de Deus e de deixar-te conduzir com docilidade por ele até o lugar que te preparou. Então, teu coração renovado poderá cantar um cântico novo, e o “Magnificat” de Maria estará espontaneamente em teus lábios e será cantado pela silenciosa eloquência de tuas obras.

           Sem dúvida, não faltarão momentos de dificuldades. Às vezes não poderás calar o ruído que te rodeia e o que está em ti; às vezes sentirás o cansaço e até o desagrado de rezar; às vezes tua sensibilidade preferirá qualquer outra coisa a estar em oração frente a Deus, como se esse fosse só “tempo perdido”. Sentirás, finalmente, as tentações do maligno, que tratará de separar-te do Senhor, de distanciar-te da oração. Não temas. As mesmas provas que tu vives as experimentaram os santos, muito mais opressoras. Persevera, resiste e recorda que a única coisa que realmente podemos dar a Deus é a prova de nossa fidelidade. Com a perseverança salvarás teu coração e tua vida.
         Chegará depois a hora da “noite escura”, quando tudo te parecerá árido ou inclusive absurdo nas coisas de Deus. Não temas. Este é o momento em que Deus luta junto a ti: remove todo o pecado na confissão humilde e sincera de tuas culpas e busca o perdão sacramental. Dê a Deus mais do seu tempo. Deixe que a noite dos sentidos e do espírito se converta para ti na hora da participação na paixão do Senhor. Neste ponto Jesus mesmo carregará a cruz contigo e te conduzirá consigo até a alegria da páscoa. Não te assombrará, então, descobrir quão amável é essa noite, já que a verás transformada para ti em noite de amor, inundada pela alegria da presciência do amado.
          Não tenhas medo, portanto, das provas e das dificuldades da oração. Recorda somente que Deus é fiel e não permitirá nunca uma prova sem saída, não deixará nunca que sejas tentado sem dar-te força para suportar e vencer. Deixa-te amar por Deus. Como uma gota d’água que se evapora sob os raios do sol e sobe para voltar a terra como chuva fecunda ou orvalho consolador, deixa assim que teu ser seja esculpido por Deus, plasmado pelo amor das três pessoas divinas, absorvido e restituído à história como presente fecundo. Deixa que a oração faça crescer em ti a liberdade de todo medo, o valor e a audácia do amor, a fidelidade às pessoas que Deus te confiou e às situações nas quais te puseste, sem buscar evasões e consolos medíocres. Aprende, a rezar, a viver a paciência de esperar os tempos de Deus que não são os nossos, e a seguir seus caminhos, que tão pouco são os nossos.
           Um dom especial, fruto da fidelidade na oração, será o amor pelos demais e o sentido de Igreja. Quanto mais rezes, maior misericórdia sentirás pelos demais, mais quererás ajudar a quem sofre, mais terás fome e sede de justiça para com todos, especialmente com os mais pobres e débeis, mais levarás em consideração os pecados dos outros para completar em ti o que falta à paixão de cristo. Ao rezar, sentirás como é belo estar na barca de Pedro, solidário, sustentado pela oração de todos, disposto aos demais com gratuidade, sem pedir nada em troca. Ao rezar sentirás crescer em ti a paixão pela unidade do corpo de Cristo de toda a família humana.
             Ao rezar se aprende a rezar, e se gosta dos frutos do espírito que dão verdade e beleza à vida. Ao rezar, se transforma no amor; e a vida cobra sentido à perfeição que Deus quis. Ao rezar se adverte a urgência de levar o evangelho a todos, até os últimos confins da terra. Ao rezar se descobrem os infinitos dons do Amado e se aprende a dar-lhe graças por tudo. Ao rezar se vive. Ao rezar se ama, se louva.
             Se tivesse, então, que te desejar o presente mais precioso, se quisesse pedi-lo a Deus para ti, não hesitaria em solicitar o dom da oração. Se o peço. E não hesito em pedir a Deus para mim. E parati. Que a paz de Nosso senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam contigo. E tu neles, porque ao rezar entrarás no coração de Deus, escondido com Cristo nele, envolvido em seu amor eterno, fiel e sempre novo. E já sabes que quem reza com Jesus e nele, quem reza a Jesus ou ao Pai ou invoca seu Espírito, não está rezando a um Deus genérico e distante. Desde o Pai, por meio de Jesus, graças ao Espírito, cada um receberá o dom perfeito, o mais oportuno, o que foi preparado desde sempre. É o presente que nos espera.

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